quinta-feira, 26 de março de 2009

KIERKEGAARD FILOSOFO OU RELIGIOSO?


SOREN KIERKEGAARD

O FILÓSOFO
Victor Eremita, Johannes de Silentio, Constantin Constantio, Hilarius Bogbinder, Anti-Climacus. Por trás desses pseudônimos curiosos escondeu-se o grande filósofo Soren Aabye Kierkegaard. Conhecido por levar uma vida solitária e isolada, Soren foi um dos fundadores da filosofia existencialista.
Filho de um próspero comerciante e de uma empregada doméstica, Soren recebeu desde cedo formação religiosa luterana.
Soren Kierkegaard, nasceu em 5 de maio de 1813 na capital dinamarquesa, Copenhague. O último dos filhos do comerciante Michael Pedersen Kierkegaard, originário da Jutlândia casado em segundas núpcias com uma doméstica. Quando Soren nasce, seus pais já eram relativamente idosos. Cinco de seus irmãos morreram antes dele e mesmo Soren viveu apenas 42 anos. O único sobrevivente dos irmãos tornou-se bispo luterano. Soren tivera um relacionamento muito difícil com seu pai, pois julgava ver a marca de um destino trágico e misterioso. Pois dizia ter seu pai uma obscura culpa, foi desse pré-suposto que Soren disse ser o "grande terremoto" de sua vida.
Não sabe-se ao certo o que tenha sido esta culpa paterna, mas fosse o que fosse determinou no relacionamento conturbado com seu pai, dessa “crise familiar” vêm desenvolver-se uma compreensão "existencialista" de sua vida.

Em 1837, conheceu Regine Olsen, com quem viveu uma história fabulosa. Logo após tê-la pedido em casamento, Soren desistiu de casar-se. Para justificar o rompimento, elaborou um complexo conjunto de razões, que incluíam suas crises depressivas e um histórico familiar de infortúnios e desgraças. Com o pretenso objetivo de salvar a reputação de Regine, fez com que parecesse à sociedade ter sido ela a romper o noivado. Fugiu então para Berlim, na Alemanha, onde passou seis meses.
Seu ser era habitado por um desgosto em relação à vida religiosa quase doentia que impregnava sua família, esta "crise existencial", essa busca pelo verdadeiro sentido divino da existência, o levara a romper um romântico noivado que durara aproximadamente um ano.
Mesmo apaixonado, Soren dizia estar fazendo um grande bem à noiva: “... nosso rompimento é um profundo ato de amor, ele não queria expor sua amada a angustia na sua busca espiritual, nem queria que o casamento fosse impecilho a isto, o que não o impediu de sofrer amargamente até o fim da vida a perda de sua paixão: "eu serei teu ou te será permitido me ferir tão profundamente, no mais íntimo de minha melancolia e de minha relação com Deus que, ainda que de ti separado, continuo sento teu". Segundo ele, não poderia viver a cômoda vida de um homem casado, pois um penitente, que se entregaria ao ideal cristão da vida com toda a radical seriedade lhe implicaria ser diferente. Não poderia estar incluso nessa ordem constituída pelo clero. Ele queria ser antes de qualquer coisa, cristão. Soren Descobriu mais tarde que Regine casara-se com o alto funcionário Johan Frederik Schlegel, mais tarde nomeado governador das Índias Dinamarquesas Ocidentais (atualmente território de Ilhas Virgens), mas Soren jamais a esqueceu, e alentava a esperança de que a resistência de todos à sua filosofia pudesse outorgar a ela um novo valor à sua vida, e assim, perdoá-lo pelos sofrimentos decorrentes do rompimento do noivado que, veio colocar parte da burguesia de Copenhague contra ele.
Após este momento traumático do noivado rompido, vem um grande período de profundidade literária. Soren passa a escrever a partir de sua experiência pessoal. No transcurso de sua filosofia vão se agregando aspectos de sua existência. Ele nutre período de profunda depressão, uma melancolia quase infinda. Onde, esta energia negativa, se transforma em inspiração para a produção literária que aborda temas diversos da existência humana.

Desde muito cedo, Soren foi vítima de preconceitos e toda sorte de agressividade. Tudo isso por causa de sua ferrenha crítica de toda a cultura européia e da filosofia hegeliana, bem como da filosofia romântica, naquilo em que elas demonstraram ser excessivamente parciais: a ênfase quase que exclusiva no universal e no coletivo em detrimento do individual. Isto parecia tirar - e, de fato, formava um pretexto ideal para tirar mesmo - a responsabilidade individual perante a própria vida, responsabilidade essa que também influi no social. Soren costumava dizer que seu tempo se caracterizava por uma ingênua aceitação das premissas burguesas e de idéias vindas de cima para baixo, sem questionamento. Tempo em que não se via quase nenhuma paixão e engajamento em valores espiritualmente significativos, criticando, por isso, a atitude preguiçosa e acomodada da Igreja. Ser cristão, para ele, significara seguir, de verdade, na prática, toda a práxis deixada por Jesus:"O Cristianismo é de uma seriedade tremenda (...). Ser Cristão é sê-lo no espírito, é a inquietude mais elevada do espírito (...)". Entretanto, depois de dois mil anos, "tudo se tornou superficialidade na cristandade atual". O que há é uma disputa calculada para se manter o poder de consciências, e Soren se choca diante da realidade última de que, dentre todas as chamadas heresias, ninguém se dê conta da mais perigosa e sutil de todas: a de "fingir ou brincar de cristianismo", como o fazem as igrejas católica e protestante.

Soren doutorou-se em Teologia aos vinte e oito anos em setembro de 1841 com a tese “O conceito de ironia em Sócrates”. Para ele, Sócrates era um pensador existencial, uma pessoa que focalizava toda a sua existência para dentro de sua reflexão filosófica. Sua crítica aos românticos estava exatamente neste ponto: eles não refletiam suficientemente sobre o ser enquanto unidade ou totalidade individual, ente existente e original, indivíduo responsável por sua própria vida. De igual forma, Soren voltou-se contra a filosofia de Hegel enquanto "sistema" que era usado como uma espécie de paradigma infalível que tenderia a explicar tudo.

Para Soren, as "verdades objetivas" e a "filosofia especulativa", quando voltadas ao externo - como na filosofia hegeliana - eram muito pouco significativas para a qualidade existencial do homem enquanto indivíduo. Mais importante que a busca de uma, ou algumas, verdade(s) geral(is), era a busca por "verdades" que fossem significativas para a vida de cada indivíduo, para cada um. Normalmente as pessoas que aderem rigidamente a uma teoria, e se orgulham de serem "objetivos", se esquecem que também são pessoas e que sua a adesão a um sistema teórico é mais uma questão de escolha e preferência do que de objetividade.
Soren também postulou que a verdade é subjetiva, pois o que é realmente importante é pessoal. O cristianismo é verdade? Esse é um grande exemplo de que existem questões que não podem ser encaradas do frio e mecanicista ponto de vista teórico ou acadêmico, eivado de preconceitos. "Para alguém que se entender como algo que existe, trata-se aqui de uma questão de vida ou morte. E isso não se discute simplesmente porque se gosta de discutir." (Gaarder, 1995). Em outras palavras, e usando outro exemplo, quando você cai na água, não fica teorizando sobre sua composição, ou se vai ou não se afogar. Você caiu na água e neste instante você tem de fazer alguma coisa pra se manter vivo. Tem de encarar o momento e experimentar um modo de usá-lo em proveito próprio. Quanto à questão do Cristianismo, é preciso distiguir entre a questão filosófica de saber se Deus existe e a relação do indivíduo para com essa mesma questão. Cada um vai ter de enfrentar, ou não enfrentar, tais questões sozinhos. E, além disso, temos nossas emoções e nossas crenças. Soren não considera essencial àquilo que somos capazes de compreender apenas com a razão. Apesar de ser uma verdade universal de que três vezes quatro sejam doze, o que mais nos importa é se a vida tem algum sentido, se existe um Deus, etc. Não são verdades genéricas e racionais o que mais nos interessa, mas o que é existencialmente significativo. Saber se alguém que estimamos também gosta da gente é algo significativo e envolvente.

Em 1843 escreve Enten, Eller (A alternativa), nesta obra é que se encontra o Diário de um sedutor.
Neste mesmo ano publica Temor e Tremor. Obra que é considerada a mais profunda onde comenta a história de Abraão empenhado em sacrificar seu filho Isaac para obedecer à ordem de Deus.
Ao mesmo tempo aparece Repetição, que trata do tempo e da felicidade.
Em 1844 escreve As Migalhas Filosóficas, que trabalha o paradoxo da fé.
Conceito de Angustia (1844), fala do pecado enquanto supõe o livre-arbítrio e a angustia da livre escolha dentre as possibilidades.
1845 – Os estágios sobre os caminhos da vida – nesta obra estão incluídos O Banquete (diálogo platônico), e Culpável e não culpável.
1846 – Post-Scriptum às Migalhas filosóficas.
1849 O Tratado de Desespero (reflexão sobre o pecado), traduzido também como: A Doença Mortal.
Seu último livro, A Escola do Cristianismo, é uma crítica à igreja. O autor se posiciona contra um teólogo chamado Martensen, e contra o Bispo de Mynster.
Em maio de 1855, funda um jornal: O Instante.

Todas estas obras são publicadas com pseudônimos como: Victor Eremita, Johannes de Silentio, Climacus e outros. Estes pseudônimos possivelmente são para se proteger de sua briga com o bispo da Igreja Luterana. Neste mesmo período Soren também publica mais de 24 discursos com seu próprio nome. Apesar de seus pseudônimos a obra de Soren se torna célebre, o fim de sua vida é bastante conturbada com polêmicas com os representantes da igreja oficial.

Em 02 de outubro de 1855 passa mal na rua e é levado ao hospital. Internado, rejeita tomar a comunhão das mãos de um padre, afirmando que os padres são apenas funcionários de uma instituição e não são testemunhas do cristianismo. Soren queria tomar a comunhão, mas esta não poderia ser das mãos de um clérigo, antes queria que fosse ministrada pelas mãos de um leigo. Soren tinha uma boa relação com Deus, mas não aceitava a igreja.

Emilio Boesem, amigo que o assistia no hospital, escreve por Soren, uma palavra de despedida dizendo como foi sua vida de solidão e seu destino. Em 11 de novembro de 1855, prematuramente, morre Soren com 42 anos. Depois de sua morte a igreja Luterana tenta apropriar-se de seu corpo (apesar de em toda sua vida ter negado religião oficial), porém os jovens dinamarqueses não permitiram.

CONCEITO DE DEUS

“O importante é entender –me a mim mesmo, é perceber o que Deus realmente quer que eu faça; o importante é achar uma verdade que é verdadeira para mim, achar a idéia em prol da qual posso viver e morrer” Journals p.44. In Filosofia e Fé Cristã, Colin Brown

Em 1848, Soren passou pela experiência de conversão e registrou em um de seus Jounals o seguinte testemunho: “A totalidade do meu ser está transformada... Mas a crença no perdão dos pecados significa crer que aqui no tempo o pecado é esquecido por Deus, que é realmente verdade que Deus o esquece.” Soren se opunha a Hegel e ridiculariza os argumentos abstratos da metafísica especulativa. Ele escreve sobre Hegel em 1850:

“Quantas vezes demonstrei que fundamentalmente Hegel torna os homens em pagãos, em raça de animais com o dom do raciocínio. No mundo animal, pois, "indivíduo” sempre é menos importante do que raça. Mas a peculiaridade da raça humana é: justamente porque o indivíduo é criado à imagem de Deus, o “indivíduo” está acima da raça. Isto pode ser entendido erroneamente e terrivelmente abusado, reconheço. Mas isso é o cristianismo. E é aí que a batalha deve ser travada.” Journals.
Surge no conceito de Deus no pensamento de Soren, uma palavra chave: o amor. É por amor que Deus deve decidir-se eternamente a agir, mas como seu amor é a causa, seu amor deve também ser o fim. Deus quer restabelecer a igualdade entre Si e o homem (discípulo), assim com um rei que se apaixona por uma plebéia. Tal idéia per si é incongruente, mas o rei é o rei, acima de tudo. Segundo Soren, “Deus encontra sua alegria em vestir ao lírio com mais esplendor que Salomão” (Fragmentos Filosóficos, p. 59). O amor de Deus não somente ensina, mas também leva a um novo nascimento do discípulo, passando do não ser ao ser, pois “o fazer nascer pertence a Deus cujo amor é regenerador” (Fragmentos, p. 68).

Deus busca a unidade, de Si com o não ser do homem. Assim, “para obter a unidade, Deus deve se fazer igual ao seu discípulo”, e para isto toma a forma de servo. Deus sofre a fome, o deserto, tudo experimenta por amor ao discípulo. Soren afirma que só Deus pode salvar o indivíduo do desespero: “Deus pode a todo instante...” (Chaves, Odilon. Sofrimento e Fé em Soren, 1978. p. 36). Não seria também por isso que ele afirma que se deve “tremer” diante de Deus? “É impossível enganar a Deus, Ele é o onisciente, o onipotente” (Attack Upon Christendom, p. 255). E ainda, “Ele é o único que tem uma verdadeira concepção do infinito que Ele é” (Attack Upon Christendom, p. 255).

Por outro lado, Soren menciona ser fácil o enganar a Deus. Não que Deus não notaria a “presença” do homem tentando agradá-lo. Deus, na verdade, cria uma situação na qual o homem, se ele quiser, pode “enganar” a Deus. Como isto é possível? Deus permite que o homem sofra para que ele perceba que é um abandonado de Deus, e que tenta enganá-lo, e, se Deus, na opinião do homem não está atento para este fato, o homem enganou a Deus (Attack Upon Christendom, p.256). Por isso diz Soren: “Tremei!”

No tocante à justiça de Deus, Soren diz que cada criminoso, cada pecador, que pode ser punido neste mundo, pode também ser salvo para a eternidade. Na eternidade, o que será lembrado? O sofrer, aqui, pela verdade. Todas as transações neste mundo têm como filtro o intelectualismo e a espiritualidade, sendo Deus nos Céus o parceiro.

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Supostamente o grande problema do filósofo Soren é a lembrança de um ato de seu pai que o acompanhara por toda a vida. O dinamarquês considerava-se herdeiro do pecado paterno e admitia o fardo causado em sua consciência pelo ato desesperado de seu pai, acreditando que isto transformara toda a sua compreensão do mundo:
“O horrível que sucedeu àquele homem que um dia, quando criança, ao guardar os carneiros nas planícies da Jutlândia, sofrendo fome e frio, subiu a uma elevação e amaldiçoou a Deus a esse homem não podia esquecer este fato, embora tivesse oitenta e dois anos”.


Os primeiros a traduzirem as obras de Soren Kierkegaard foram pastores alemães em disputas com a “igreja”, por isso é que por muito tempo via-se nele um religioso.
Na França ele era visto como o escritor e seus romances “sedutor”, daí na França é um outro Soren Kierkegaard.
No Brasil dificilmente se acha traduções deste filosofo há muitos fragmentos, o que já nos é bastante interressante lê-lo e ver como era seu mundo e compará-lo ao nosso.

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